sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A grande mídia: abordagens e disputas com a esquerda brasileira


Por Talita São Thiago Tanscheit*

Com onze meses de Governo Dilma, são diárias as notícias veiculadas nos grandes meios de comunicação relatando escândalos de corrupção nos ministérios, buscando associar a palavra corrupção ao Governo Federal, como se ser corrupto fosse pressuposto para se ser ministro no Governo Dilma. Estas abordagens midiáticas, ao invés de desestabilizar a esquerda brasileira, devem nos render algumas análises.

A primeira questão, é o entendimento de que a democracia e a ética não são valores da grande mídia, mas sim dos militantes de esquerda. Para nós, a democracia não é um arranjo institucional que nos permite votar de quatro em quatro anos, mas um processo constante de participação popular que nos permite definir coletivamente os rumos do país. A ética, ao contrário do que buscam plantar no ideário da população, é um princípio da esquerda. Não é uma questão de moral, de costumes ou de conjuntura, mas sim parte estrutural de nossa formação enquanto militantes de uma sociedade socialista e democrática.

Todas as denúncias realizadas de corrupção nesses últimos dez meses de Governo Dilma, e anteriormente nos oito anos de governo Lula, foram ou estão sendo devidamente apuradas. Todas as pessoas envolvidas nessas denúncias foram devidamente afastadas de seus cargos. Cabe aos órgãos institucionais da justiça pública apurar as denúncias, bem como garantir que, sendo essas denúncias comprovadas, os responsáveis sejam punidos. Entretanto, o direito a defesa é um direito democrático de todo cidadão e de toda cidadã brasileira. Nenhum organismo da imprensa deve, de forma algum, cumprir o papel de juiz destas decisões, assim como os órgãos da justiça não devem ser pautados pelo debate que é colocado pela imprensa.

Assim como os órgãos da justiça não devem ser pautados pelos grandes veículos de comunicação, nós, militantes, não podemos ser pautados pelo debate da mídia. Somos nós que somos contra a corrupção, que defendemos que os interesses privados não prevaleçam sobre os interesses públicos. A imprensa não se incomoda com isso, mas sim com o fato de investir milhões de reais em candidatos que vem perdendo consecutivamente as eleições no Brasil, e em partidos que, progressivamente, diminuem a sua representação legislativa. O que assusta a mídia não são as denúncias de corrupção, mas a alteração na correlação de forças que está em curso na sociedade brasileira, através da revolução democrática e do empoderamento popular.

Nós entendemos que fortalecer o Estado é fortalecer o povo brasileiro. Por isso, damos suporte ao campo democrático-popular do Governo Federal que cotidianamente representa o povo brasileiro. Para nós, fortalecer o Estado é fortalecer as instituições públicas, qualificando-as, diminuindo ao máximo os cargos por indicação e garantindo espaços de formulação coletiva da população sobre os temas dos nossos ministérios. Além disso, devemos fortalecer os nossos partidos internamente, punindo os culpados e politizando a nossa militância.

Entendemos também que fortalecer e democratizar o Estado significa, fundamentalmente, democratizar o acesso a informação que a população brasileira possui. Para isto, estabelecer aregulamentação e a democratização dos meios de comunicação é fundamental. Garantir espaços plurais de comunicação em que possamos, com equidade, disputar os valores do povo são fundamentais para elaborarmos projetos que tenham, progressivamente, a cara do povo brasileiro. Para nós, o monopólio dos meios de comunicação em cinco famílias brasileiras produz o pior tipo de corrupção, a exclusão social.

Somos nós, da esquerda brasileira, que garantiremos as mudanças necessárias para a nossa sociedade. Ao invés de pautar os escândalos de corrupção, o que devemos colocar em debate e como verdadeiramente importante como meio, inclusive, de coação da corrupção, é uma reforma política com financiamento público de campanha e lista fechada com alternância de gênero. A verdadeira corrupção é a interferência do capital privado nas campanhas e nas decisões políticas brasileiras, que devem ser sempre públicas. Além disso, a reforma política é fundamental para que a esquerda se veja a cada dia menos refém de partidos fisiológicos, em que, não fosse pelo sistema político instituído, não estaria, em alguns momentos eleitorais, coligada.

A verdadeira corrupção é a que era praticada até 2002 - e que não recebia nenhum destaque midiático. A verdadeira corrupção é o desemprego, a fome, a ausência de educação. O que vem sendo produzido, há oito anos e dez meses, é a inclusão social, em que milhões de pessoas saem da pobreza, estão empregadas, adquirem casas próprias e entram nas universidades. Depois de cinco séculos de exclusão, finalmente a população está, como diria Hannah Arendt, tendo direito a ter direitos.

Este processo, entretanto, não é linear, mas dialético, e repleto de impasses e contradições. Cabe a nós, militantes de esquerda, lideranças governamentais e dos movimentos sociais, trabalharmos tendo como sul a diminuição destas contradições, construindo em conjunto a revolução democrática e sabendo que, quanto mais críticas recebemos dos grandes veículos de comunicação, mais estamos no caminho certo. A revolução democrática já está em curso em nosso país, e não mediremos esforços em garantir a construção de uma sociedade justa, socialista e democrático para todo o povo brasileiro.

*Talita São Thiago Tanscheit é militante do Partido dos Trabalhadores.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Uma pausa para o real

Ela havia sido a vida toda uma daquelas meninas que achavam que poderiam ser mulheres sem ter que se arriscar. Ou que viviam histórias tão distantes da realidade que ao invés de crescer com essas histórias apenas aprendiam como as coisas não deveriam ser. Mas se satisfazia em aprender como não deveria ser, pois o inesperado para ela não era esperado.
Ela se deixava acreditar em uma ideia de liberdade tão liberal que se confundia com o que ela própria acreditava realmente. A verdade é que sempre foi cômodo preservar a sua intimidade na vida privada e deixar se expor apenas no público. Era mais saudável, os riscos eram menores. Mas como dissociar público e privado? Como fortalecer divisões que ela mesmo não vislumbrava serem possíveis?
Ela nunca esperou nenhum conto de fadas. E vai ver por nunca ter esperado, nunca achou que nada fosse possível. Nunca vislumbrou outras possibilidades, ou alegrias que não fossem conturbadas. Mas as alegrias chegam para todas, e para ela chegou de forma sóbria. Aquele turvo que ela esperava encontrar não existia mais, e a embriaguez pouco-a-pouco vem perdendo espaço na sua vida para o abstrato, o que não é palpável mas que ela sabe que é real.
Hoje ela espera pela segurança de um porto seguro onde ela possa estar nas nuvens e sentir que lá é um lugar seguro para se viver, onde ela se sente acolhida. E em meio a tantas dúvidas, mas tantas certezas que ela tenta passar para os outros, ela, enfim pode dizer que está feliz. Não para sempre, mas por enquanto e enquanto a felicidade valer a pena.
Hoje, se alguém perguntar a ela sobre a liberdade que ela tanto prendia, ela dirá como outrora uma amiga sua a aconselhou sem saber:
- Acho que está na hora de eu conhecer outras partes do meu coração.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cenas machistas do próximo capítulo*

"Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer
Porém na psique da mulher
Destruímos a mulher."
Tom Zé

Nunca foi um problema para mim dizer que gosto de novela. Sim, gosto. É um momento onde esvazio a minha cabeça e não penso em nada, coisa difícil em um mundo com tanto trabalho e luta pela frente como nos dias de hoje. Não é por isso que deixo de concordar com o papel alienante que as telenovelas cumprem na sociedade brasileira, e como elas reproduzem, de forma estereotipada e exagerada, as opressões e as explorações que afetam as mulheres brasileiras diariamente. Por isso não deveria me assustar com o André (Lázaro Ramos), de Insensato Coração, a novela das oito da Globo. Mas insisto em me indignar.

O André é o cara que, segundo o autor da novela, todas as mulheres gostariam de passar uma noite. De um jeito sedutor, ele conquista todas as mulheres que deseja, e todo capítulo ele leva uma para seu apartamento. Essas cenas todas terminam com as mulheres loucas para vê-lo mais uma vez, ou com elas torcendo para ele pedir seus telefones. Mas ele não pede, e "honestamente", "joga limpo" com elas, dizendo que ele não repete transas. Após isso, aparecem cenas dele contando vantagem com os amigos, sobre como as mulheres se derreteram com ele, e como mulher X ou Y agora persegue ele. Ele não quer se relacionar com as mulheres, mas apenas marcar mais um número em seu caderno de anotações.

É triste ver o Lázaro Ramos, ator que sempre admirei por suas interpretações e posições políticas, fazendo um papel tão deplorável. Não só na forma como se refere ou como se relaciona com as mulheres, como se nós fôssemos apenas prestadoras de serviços pontuais a eles e seus amigos homens, mas da forma como se refere e trata nós mulheres, como verdadeiras prostitutas. Nesta lógica, não interessa o nome da mulher, quem ela é, ou o que ela faz, mas sim que ela ofereça um bom serviço em seu apartamento com vista para o mar na Zona Sul do Rio de Janeiro, e fim. Fim não, porque vejam só como ele é bonzinho, ele paga o táxi da volta para casa das mulheres. Quer relação mais mercantilizada que esta?

A sociedade capitalista consegue inverter completamente os valores. A crítica deste texto não é moralista, mas a confusão feita entre ser liberal e ser libertária. Para nós, mulheres, não pode servir um modelo liberal de relacionamento, que nos trate como objeto, pois isso sempre foi assim, historicamente. Nem nos serve mais a velha história dos contos de fadas. O que nos vale, é que nossas relações sociais e sexuais sejam baseadas em valores de solidariedade, e não de reprodução da economia capitalista, em que até as relações sexuais se tornaram mercadoria. Certíssima está a gloriosa feminista Alexandra Kolontai, quando fala da necessidade de praticarmos o amor-camaradagem, baseado no afeto, na liberdade e no companheirismo. Só este porá um fim a servidão das mulheres pelo homens.

Exemplos como estes, e outros muito piores, estão no dia-a-dia das programações televisivas de nosso país, seja em novelas, em reportagens ou em programas de auditório, onde estamos sempre marginalizadas e mercantilizadas. Nossa tarefa não é fácil, mas temos que seguir em frente. Rompendo não apenas com o machismo, pois este é impossível de se romper sozinho, mas também com o monopólio dos meios de comunicação e com a ausência de participação popular na formulação da programação televisiva do nosso país. Reafirmar que, para mudar a vida das mulheres, uma outra comunicação inclusiva e libertária se faz urgente, pois só mudando o mundo que mudamos as nossas vidas.

*Talita São Thiago Tanscheit é estudante de Ciências Sociais da PUC-RIO e militante do Coletivo de Mulheres da PUC-Rio, da Marcha Mundial das Mulheres e da Kizomba Lilás.

domingo, 20 de março de 2011

Eu poderia dividir com você a minha coleção de CD's. Deixar você entrar no meu quarto e levar embora qualquer livro que eu cultivo na minha estante, sem data de entrega. Veja bem, se existem duas coisas que eu sou ciumenta, são com os meus CDs e meus livros. No futuro, terei uma biblioteca de cada um deles, mas você não precisaria ir até lá, teria exclusividade. Pelo tempo que quisesse, eu diria.
Eu até poderia comprar uma poltrona bem confortável para você ler os meus livros e ouvir os meus CDs, quando você não estivesse com sono. Ou você poderia fazer cafuné em mim enquanto ouvisse a música. Ou só fazer cafuné. Ou só ouvir a música.
Quem sabe nós não devanearíamos em filosofias descartáveis sobre a humanidade em noites insones com a janela do meu quarto aberta? E o céu lá fora, cheio de estrelas. E o ar da madrugada e da cumplicidade a nos embriagar em meio aos devaneios.
A gente poderia se amar no olhar e se amar amando. Fazer planos para o futuro sem esquecer o agora. A gente poderia tanta coisa dentro do meu quarto. Ah, mas poderia.

Se eu utilizasse meu quarto. Mas eu prefiro a vida lá fora. A multidão que passa e que não me vê, mas que eu vejo. E sinto. Essa quantidade de flechas apontadas para todos os lados e que eu tanto me divirto em me desviar delas. Até que elas me acertam. Eu poderia tantas coisas. Mas fico com outras. Eu não preferiria você no meu quarto. Preferiria que você fosse uma flecha, para me embriagar em ti.

Eu até poderia estar com você agora, no meu quarto. Sem dúvidas seria maravilhoso.
Mas prefiro a liberdade - é nela onde a flecha finalmente acerta o seu alvo.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Não é fácil ser feminista!

“No final, compreendi
que ser uma mulher
é uma luta sem fim
para viver e ser livre.”
(Joi Barrios)

A ideia do título há dias está rondando minha cabeça e me angustiando, e a cada dia que passa eu mais tenho certeza de que, sem dúvida, não é fácil. Quando dizem que nos países ocidentais o machismo ataca a psique da mulher, penso que esta pode ser uma das maiores violências contra nós mesmas. E que mais nos fazem sofrer quando nos atingimos com ela.
Não basta sermos mulheres e bem resolvidas. Não precisarmos de um homem no nosso lado, termos um dia corrido e uma agenda lotada. Falar com os homens de igual para igual, sermos inteligentes e ainda tomarmos uma cerveja no bar no fim do dia com as amigas. Porque isso é demais para nós. Há uma descrença na nossa versatilidade. Ou uma tentativa constante de provarmos a todos que estamos sendo incapazes.
Daí a necessidade de acordar todos os dias e se preparar para a batalha diária. E quando chega a noite, e estamos sozinhas em nossas casas e aquele sentimento de fracasso nos rondar, temos que lembrar: somos feministas. E quando a gente prende o choro, temos que nos lembrar mais uma vez, somos feministas: eu posso chorar.
Ser feminista não é fácil porque é afirmar para essa sociedade que tanto nos acorrenta que nós podemos tudo. Inclusive chorar, se descabelar, ou amar intensamente. E é um exercício para nós mesmas lembrarmos disso sempre. Nós sempre soubemos que nunca seria fácil enfrentar tudo o que viemos enfrentar nesta sociedade.
Que o machismo mata a gente já sabe. Mas a gente não pode permitir que ele nos mate lentamente, nas atitudes do dia-a-dia. Porque só nós mesmas podemos nos libertar. Essas doses homeopáticas que insistem em nos dar não podem mais fazer parte da vida de nós, mulheres. Muito menos de nós, feministas.

Eu estou pronta para fazer do meu corpo um campo de batalha, e para nunca desistir dessa batalha. Mesmo que seja necessário perder o sono por conta das lágrimas que não param de rolar a noite no meu travesseiro.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Depois de dias com os pés descalços
a rotina de viver assusta.
Há uma normalidade no dia-a-dia que não deveria ser.
Há uma densidade e um sentimento de que nada será como antes,
mas como sempre.
É a aceitação de que a refuta é o correto
De que a ausência do ser é a presença
É a necessidade de nos conformarmos em sermos permanentes.

Não confio em militantes que se confortam com a rotina.
Eu tenho vários "eus" militantes espalhados por aí,
e faço questão de dar atenção a todos.
Ora mais ao mar, ora mais a terra.
Ora, as cachoeiras.
Ora, até a normalidade. Mas nunca permanente.

Há uma descrença no que foge ao habitual que me inunda
Há uma necessidade de anular a palavra "hábito" do dicionário.
Há um desejo de que cada dia amanheça como deve ser: nos surpreendendo.

Quero ter sempre a chance de ser tudo sem saber:
e ao mesmo tempo de ver apenas o sol se pôr explodindo da minha garganta.
Qualquer coisa que não possa ser natural.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Como naqueles dias em que o coração e todos os sentimentos do mundo se atrofiam e você só quer pensar quando ele vai ligar.
E ele não liga.