domingo, 28 de fevereiro de 2010

amou daquela vez como se fosse filha


Há mais ou menos dois anos conheci uma pessoa que mudou a minha vida por inteiro:

Isabell Allende. Escritora Chilena, sobrinha de Salvador Allende, Isabel foi capaz de revirar os meus sentimentos do avesso e não permitiu que eles voltassem até agora. Não há melhor escritora que romanceie América Latina, ficção e História do que ela. Caminha por Neruda, pela formação do Chile e pelos golpes militares ocorridos pela América Latina com uma fineza e uma intensidade de poucos.

Com ela eu me apaixonei pelo Chile e me reapaixonei - porque o bom de se apaixonar e poder desfrutar deste sentimento diariamente- pela História dos povos latino-americanos. E com ela, graças e ela, eu pude conhecer profundamente Valparaíso e todas as perversões que lá ocorreram. Os mais sórdidos romances, as mais intensas batalha, os maiores ecos de liberdade. Desde então Valparaíso faz parte da minha vida.

Hoje descobri que Valparaíso foi atingida por um terremoto que deixou a cidade em escombros. Nunca poderia ter recebido tão triste notícia. Eu já tinha vivido um terremoto em Valparaíso pelos meus livros, em meados da década de 50. Casas tendo que ser reconstruídas, pessoas que perderam tudo que tinham, parentes desaparecidos. Agora estou vivendo com o meu eu-próprio e caminhando na minha imaginação sobre cada paisagem e quase chorando.

É impressionante como ficção e realidade se confundem. Não deveriam se confundir, mas se misturar. Porque a vida é quase como uma obra de ficção que insistimos em dizer que são reais, mas que são tão criadas por nós como uma novela qualquer.

Hoje eu vou rezar por Valparaíso junto com Esteban Trueba, Celia, Blanca, com os DelValle e com o meu acumpunturista predileto. Espero que a cidade se recupere. De uma coisa é certa: o amor por Valparaíso está presente em todos aqueles que não foram, mas que sabem exatamente como é. E que amam e se apaixonam por lá como se fossem solo chileno, ou como rochas que terremotos se mostram incapazes de destruir.

Atualmente Isabel vive nos Estados Unidos. Ainda bem. Nada melhor do que novas histórias quando a memória começa a ficar turva.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Eu poderia ter um viveiro em casa. Nesse viveiro estariam todos os meus amigos. Mas não seria um viveiro que aprisiona e que não deixa a pessoa sair. Seria um viveiro ao ar livre, onde todos poderiam sempre sair, mas todos sempre voltariam, porque não haveria lugar melhor no mundo do que aquele viveiro.
Nele estariam os rouxinóis e os canários. Teriam poucos tiês-sangues, para lembrar da Ilha Grande e dos grandes amigos que fazemos. E dos lugares que se tornam cativos. Este viveiro com certeza seria um lugar cativo.
Todo dia de manhã esses pássaros cantariam e me acordariam. Não por obrigação, apenas por serem bons amigos. Depois disso eles iriam em outras casas para alegrar as pessoas tanto quanto eles alegram a mim.
Cada pássaro seria para um pensamento ou uma ação diferente. O rouxinol para risadas, o tiê-sangue para a filosofia. O canário para a música, ou para a capoeira.

Eu poderia ter um viveiro em casa. Mas os pássaros viveriam muito menos que eu e eu me sentiria muito triste sem eles. E não adiantaria se viessem outros, porque eles seriam tão queridos quanto, mas não cobririam o espaço. É como se a cada pássaro que fosse embora, uma parte do meu corpo saísse. No fim eu até estaria aqui, mas muda e estática.
Ainda bem que eu só poderia ter um viveiro em casa. Pensando bem, prefiro ficar sem o viveiro. Assim espalho meus amigos e permito que eles ecoem seus cantos aos quatro cantos do mundo.

Meus amigos bem que poderiam ser pássaros, mas ainda bem que não o são.